A dança das Abelhas

Mais de meio século atrás, o etólogo Karl von Frisch abalou o mundo da biologia comportamental após descobrir que as abelhas têm a capacidade de comunicar a distância e a direção de fontes valiosas de alimentos por meio de uma elaborada “dança”.

Em 1973 Karl Ritter von Frisch foi laureado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina, por seus estudos no comportamento dos insetos, em especial as abelhas (Apis mellifera). Ele descobriu que as abelhas conseguem comunicar a distância e a direção de fontes alimentos por meio de “dança” elaborada.

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A dança das abelhas. Fonte: Smithsonian Channel

O comportamento ocorre quando uma abelha operária encontra por uma boa fonte de alimento e retorna à colmeia para repassar a informação. Após recebida por outras abelhas, a abelha começa a realizar movimentos elaborados em uma superfície vertical de um favo dentro da colmeia. Porém, em outras espécies de abelhas como Apis florea , a dança pode ser feita em uma superfície horizontal, com visão direta do sol e/ou outros pontos de referência. A dança em si é caracterizada por dois tipos de movimento, um em linha reta chamado “corrida de agitação” no qual a abelha se agita vigorosamente, e movimentos em curva nos quais ela volta ao ponto inicial, alternando entre os sentido horário e anti-horário seguindo um padrão de “oito”.

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Etapas da dança: 1 – Corrida com agitação, 2 – curva em sentido anti-horário, 3 – retorno ao ponto inicial, 4 – corrida com agitação e 5 – curva em sentido horário. Fonte: Grünter e Farina, 2009

A dança abelha codifica as principais informações sobre o recurso de acordo com sua posição relativa ao favo da colmeia. Ao executar corridas oscilação na superfície vertical do favo, o ângulo do eixo no qual a dança é feita em relação à gravidade corresponde à direção da fonte de alimento em relação à posição atual (ou o azimute) do sol. Por exemplo, se a fonte de alimento estiver na direção exata do sol, ela balançará para cima e quando a fonte de alimento está na direção oposta ao sol, ela balançará para baixo. Consequentemente, se o recurso estiver à 30 graus a direita, a abelha balançará em um ângulo de 30º à direita em relação ao eixo vertical. O tempo de duração da agitação durante a corrida está diretamente ligado à distância da fonte de alimento. Além disso, quanto mais atraente é o recurso, mais vigorosamente ela dança, e mais rapidamente ela retorna para o ponto de início da cada corrida.

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ângulo do eixo da dança em relação ao eixo vertical indica a posição do recurso (flor) em relação ao Sol. Fonte: Emmanuel Boutet (Wikimedia Commons)

Parece, então, que as abelhas desenvolveram uma forma extraordinária e complexa de comunicação simbólica sobre recursos distantes, que está além das capacidades de praticamente todas as outras espécies, exceto os humanos. As tarefas cognitivas implicadas pela dança são certamente notáveis: 1. A dançarina deve se lembrar da localização e das características de um local específico que viu durante o voo, 2. A abelha deve traduzir essas informações em uma dança apropriada, 3. Ela também deve lembrar e levar em consideração a posição do sol e atualizá-la à medida que o sol se move, 4. As abelhas observadoras devem “ler” a dança, traduzir suas informações e, em seguida, encontrar o recurso, navegando conforme necessário pelas colinas, casas e outros obstáculos.

De fato, o feito é tão impressionante que as descobertas de von Frisch foram inicialmente recebidas com significativo ceticismo e controvérsia. Neste ponto, a controvérsia foi essencialmente resolvida, com os cientistas reconhecendo que existem evidências convincentes de que as abelhas realmente se comunicam e agem com base nas informações codificadas na dança, embora ainda haja incerteza sobre exatamente quais sinais (tátil, odor, vibrações, fluxos de ar, etc.) que as abelhas observadoras usam para traduzir a dança em informações acionáveis sobre a localização do recurso.

Atualmente, discute-se se a real eficiência da dança e seu papel na obtenção de alimento. Alguns experimentos feitos época da descoberta da dança e outros estudos recentes indicam que, embora a informação passada pela dança possa ser perfeitamente compreendida, algumas vezes poucas abelhas são recrutadas para o destino e muitas delas ignoram a informação. Desta forma, busca-se entender se existe algum problema de compreensão ou de execução na dança, ou até mesmo se outros fatores como odor e a própria memória das abelhas sobre os locais por onde voam representam sinais que superam a transmissão de informação pela dança.

Além disso, a complexidade da dança das abelhas foi objeto de uma série de debates entre pesquisadores em diferentes áreas. Segundo alguns, o fato de a dança ser uma ação performativa, sempre realizada para uma “plateia”, sua natureza comunicativa, aspectos simbólicos e regras usadas com regularidade são atributos que sustentam sua caracterização como um tipo de linguagem. Para outros, a ausência de interlocução, a não reprodutibilidade da informação por outros indivíduos, referir-se sempre a um dado em particular (o alimento) e não dar margem outras situações são aspectos que a descaracterizam como tal.

De fato, comparada à linguagem humana a dança das abelhas é um sistema de comunicação muito diferente. Para as abelhas, a dança serve a seus propósitos e contém todas as nuances comunicativas que precisam para a sobrevivência da colmeia. O mais curioso é pensar e apreciar o fato de que a abelha, um inseto com um cérebro tão pequeno, foi capaz de desenvolver um sistema de comunicações tão sofisticado que desafiou os linguistas humanos a questionar o quê caracteriza uma linguagem verdadeira e se a linguagem humana é realmente tão única.

Sugestão de leitura: Abelhas gigantes e os caçadores do Mel alucinógeno do Himalaia


Referências:

Livro de Richard Dawkins – O Rio que saía do Éden. Uma visão darwiniana da vida

Artigo científico da revista Science: Honey bee recruitment: the dance-language controversy

Artigo científico da revista Animal Behaviour: Decoding information in the honeybee dance: revisiting the tactile hypothesis

Artigo científico da revista Social Studies of Science: Can an Insect Speak?: The Case of the Honeybee Dance Language

Artigo científico da revista Trends in Ecology & Evolution: The honeybee waggle dance: can we follow the steps?


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